O acontecer de um momento verdadeiramente terapêutico ocorre, segundo Shotter, quando algo especialmente singular abre novas possibilidades para o futuro. Para tentar atingi-lo, o diálogo que se estabelece precisa admitir desdobramentos dinâmicos e emergentes, alimentar permanentemente sua criatividade imanente, tecer caminhos sempre singulares e ser fiel à condição de ser interminável.

A criação desses momentos depende da maneira como a responsividade espontânea dos corpos do terapeuta e dos consultantes dá forma expressiva à singularidade dos sentimentos e ideias.

O que verdadeiramente muda em nós no momento terapêutico não é a  aprendizagem de novos fatos ou informações, mas sim a aprendizagem de novas maneiras de nos relacionarmos com os outros e com a alteridade no mundo que nos cerca.

Os sentimentos  mudam todo o tempo, estão lá por um segundo e se vão no instante seguinte. Como compreender sua natureza e seus significados?

Pensamos a partir de um fluxo incessante de atividades ainda em movimento e rodeado de coisas emergentes que ainda estão sendo criadas. Daí a importância do que simplesmente se passa em nosso interior. É preciso deixar o sentimento que emerge criar suas próprias metáforas, deixar essas metáforas serem parte da linguagem que alguém vasculha para tentar encontrar um significado, para tentar sobreviver a si mesmo.

Ao invés de termos nossa vida e linguagem em nós, o que nós viermos a constituir e, posteriormente, a entender, surge do fato de estarmos em linguagem, em conversações, em movimentos, em relacionamentos, na cultura, na natureza. Simplesmente.

Junto com o que nós fazemos há o que pensamos de nós mesmos enquanto fazemos. Isso acontece ao mesmo tempo em que somos espontaneamente responsivos ao fluxo de acontecimentos no interior do qual nosso ser está inserido. Desse modo, nossas ações são fortemente influenciadas não apenas por nossos próprios pensamentos e responsividade espontâneos mas,  o tempo todo,  por nosso entorno, que convoca ações de nós que, de outra maneira, não teríamos.

Ao longo de nossa história, o entorno (família, amigos, escola, cultura) exerce uma influência central em nos tornarmos uma pessoa desse ou daquele  jeito. Nos tornamos espontaneamente responsivos a estes ao invés daqueles tipos de eventos que acontecem em nosso entorno na medida em que temos experiências significativas e marcantes em que esses tipos de respostas se mostraram eficazes ou convenientes.

O ser vivo é, sobretudo, um lugar de passagem. Construímos a cada momento o que vemos estando abertos ao fluxo da experiência que em cada exato momento atua em nós. Como deve ser o nosso pensamento quando localizado em um espaço fluido, um espaço no qual não há coisas fixas e finalizadas e no qual tudo aquilo que parece estável é sustentado enquanto tal no interior de suas relações dinâmicas com seu entorno?

Um enunciado não é reflexo ou expressão de algo dado e finalizado, exterior a si e já existente. Sempre cria algo que nunca existiu antes, algo novo e impossível de se repetir, algo criado a partir do vivido que, por sua vez, é completamente transformado no que é criado ao ser nomeado.

Existe uma criatividade intrínseca ao momento que se faz terapêutico: algo inominável emerge como produto de uma interação dialógica que se desdobra.  Nosso uso da linguagem, sempre criativo, sempre inovador, ajusta os enunciados às situações e às circunstâncias.

Não podemos saber de antemão e com precisão o que diremos, pois estruturamos nossa fala no curso de sua expressão e em resposta às respostas dos outros. A palavra é formada a partir do que já foi dito e determinada, ao mesmo tempo, por aquilo que ainda não foi dito, mas que é necessário dizer.

Por meio da criação de novas expectativas recíprocas, o acontecer de um momento terapêutico ocorre quando algo novo e único – criado nas trocas que ocorrem na dinâmica dos desdobramentos das nossas relações – entra em nós e, como resultado, abre novos e previamente desapercebidos caminhos para o futuro.

Ao deixar que a história seja recontada, aprender com ela, permitindo a emergência de novos significados e de novas narrativas. Que tudo seja novo de novo, nunca antes encontrado, precisando ser respondido unicamente como sendo si mesmo.